Juiz federal confirma validade de site que vende petições feitas por IA
Fonte: Consultor Jurídico
A elaboração de petição inicial, quando destinada aos Juizados Especiais, não é
ato privativo de advogado. E a simples geração ou adaptação automática de
petições por meio de inteligência artificial, sem atuação intelectual direcionada
à análise individualizada do caso, não configura exercício privativo da
advocacia, mas ferramenta tecnológica de auxílio documental. Tal atividade é
considerada compatível com o direito constitucional de acesso à Justiça (artigo
5º, XXXV, CF).
Com base nesse entendimento, o juiz Jhonny Kenji Kato, da 27ª Vara Federal
do Rio de Janeiro, negou um pedido da seccional do Rio de Janeiro da Ordem
dos Advogados do Brasil, feito em maio deste ano, para suspender a plataforma
digital Resolve Juizado, que vende petições iniciais feitas por IA para
interessados em ajuizar ações em Juizado Especial.
A sentença rejeitou as alegações da OAB-RJ de que o site pratica exercício ilegal
e mercantilização da advocacia. O juiz federal determinou, porém, que a
plataforma seja ajustada para inserir avisos claros e ostensivos ao usuário, a fim
de assegurar total transparência sobre a natureza do serviço.
Contexto
A OAB-RJ ajuizou ação civil pública contra o responsável pela plataforma
Resolve Juizado, que oferece ao público a elaboração de petições iniciais para
Juizados Especiais, por meio de inteligência artificial, ao preço de R$ 19,90. Para
a seccional, essa prática configura captação indevida de clientela,
mercantilização da advocacia e violação do Estatuto e do Código de Ética da
categoria.
A plataforma, por sua vez, sustentou que a atividade é compatível com o jus
postulandi (direito de postular por conta própria) previsto na Lei dos Juizados
Especiais (Lei 9.099/95, artigo 9º). A empresa afirmou que a ferramenta apenas
organiza informações fornecidas pelo próprio usuário, com auxílio da IA, e que
o valor cobrado é usado para a manutenção do sistema.
Inicialmente, uma liminar da 27ª Vara Federal suspendeu as atividades do site.
No entanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reformou essa liminar e
manteve a plataforma no ar.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça confirmou essa decisão e
manteve o site funcionando. O relator do caso no STJ, ministro Herman
Benjamin, destacou que seria paradoxal dispensar a assistência obrigatória de
advogado e proibir o uso de ferramentas tecnológicas que auxiliam o cidadão
leigo em pequenas causas.
Dever de transparência
O juiz federal rejeitou as preliminares de inadequação da via eleita e de
ilegitimidade ativa da OAB-RJ, confirmando o interesse coletivo na discussão.
No mérito, contudo, ele decidiu pela legalidade da plataforma, desde que
observados os limites do jus postulandi.
Kato ressaltou que a atuação da plataforma se restringe à automação e à
formatação textual de informações inseridas pelo usuário, não havendo
intervenção humana. As operações da IA não envolvem análise técnica do caso
concreto, orientação individualizada ou definição de estratégia processual,
elementos que caracterizam o serviço privativo do advogado.
A decisão destacou que a plataforma é uma ferramenta de apoio,
funcionalmente semelhante a formulários disponibilizados pelos próprios
tribunais ou pela Defensoria Pública. Além disso, o valor cobrado (R$ 19,90) é
considerado contraprestação módica para a manutenção do sistema
tecnológico, e não honorário por serviço intelectual jurídico.
O julgador também rejeitou o pedido de indenização por danos morais
coletivos, uma vez que não foi configurada a prática de exercício irregular da
advocacia ou ato ilícito.
A única condenação foi a imposição de um dever de transparência (dever de
informação, artigo 6º, III, CDC). A plataforma deverá informar o usuário de
forma clara e ostensiva, na página inicial e antes da geração do documento, que
não há advogado responsável, que o serviço é apenas de automação de redação
e que conteúdos produzidos por inteligência artificial podem apresentar
informações imprecisas (alucinações).
“A supressão integral da atividade da plataforma, quando há meios de
compatibilização com o marco normativo, seria medida desproporcional, apta
a produzir retrocesso tecnológico, reduzir concorrência e concentrar
oportunidades profissionais”, avaliou Jhonny Kato.
ACP 5038042-87.2025.4.02.5101